Dois 911 S 2.4 numa tarde de Verão

Numa tarde de Verão, para os lados de Fafe, encontram-se dois 911 S 2.4:


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O branco saíu da fábrica em 1 de Julho de 1972, é o DL-67-67. Teve uma vida conturbada de vários ralis, entre 1973 e 1983 e tem hoje a aparência (execptuando os autocolantes e os faróis Cibié) e uma mecânica muito semelhante à que teria quando Giovanni Salvi o levou ao 2.º lugar no Campeonato Nacional de Ralis de 1973.
O amarelo, MS-61-28, foi entregue ao seu primeiro proprietário, na Alemanha, em Setembro de 1972. Veio para Portugal em 1986.

Embora, com apenas dois meses de diferença, são dois carros diferentes em alguns pormenores. O DL é um modelo de 1972, pelo que tem o depósito de óleo à frente da roda traseira direita e com acesso pelo exterior (situado no guarda lamas traseiro direito) e as grelhas e os aros dos piscas dianteiros e traseiros cromados. O MS, sendo um modelo de 1973, tem o depósito de óleo interior e atrás da roda, como em todos os 911 até ao 964. Os aros dos piscas são pretos. Em tudo o resto, na origem, são praticamente idênticos.

Mas, o que nos leva a fazer este comparativo? Partilhar convosco as experiências de dois carros muito semelhantes, mas com algumas diferenças…

O MS é um carro de série, muito bem restaurado, um exemplar quase perfeito O DL foi “envenenado” pelo Mestre Eduardo da Garagem Aurora. Tiraram-se os bancos traseiros, todo o material isolante, os frisos laterais de protecção. Montou-se um roll bar, vindo do RSR que foi de Carlos Barbot, um volante motor de competição, uma caixa de velocidades com rapports curtos, um diferencial autoblocante Porsche, suspensões Bilstein, barra anti-aproximação à frente e as pinças de travões do 930 turbo à frente, com pastilhas mistas estrada/rali.

Será que com estas modificações temos dois carros muito diferentes?

Sento-me ao volante do MS, as bacquets Recaro são muito envolventes, a posição de condução é ligeiramente mais alta. Sou surpreendido por um ralenti muito certinho e por um surpreendente quase silêncio no habitáculo. Claro que lá fora se ouve bem o taf taf ligeiramente irregular das árvores de cames S…Arranco, sinto nervo, mas acima de tudo, uma enorme suavidade. O motor é extremamente progressivo, a caixa, pela via dos rapports mais longos não está sempre a pedir a relação seguinte. A suspensão filtra perfeitamente as irregularidades da estrada. A velocidades baixas e intermédias, este 911 S é muito mais confortável e fácil de guiar que um 993. Muito estável, a leveza dos comandos é surpreendente, conversa-se lindamente. O baixo peso ajuda imenso, tornando toda a condução extremamente ágil e muito intuitiva.



Saio de Fafe e as primeiras curvas aparecem, 3ª, 4000 rpm, um pouco de acelerador…e temos um 911 S. É aqui que tudo muda e os S justificam toda a sua fama. O ronco metálico começa a fazer-me sorrir, 5000 rpm, é já um grito, 6500 rpm sou embalado por um assobio que só um caça da 2ª Guerra consegue imitar, meto 4ª, acelero, ponteiro da velocidade na 3ª marcação, 5ª. E continuaria….até muito, muito mais, em velocidade e até às 7300. Os motores S, afinados, são assim, dão para fazer Grande Turismo e para passear até às 4000 rpm e acima disso são carros de corridas. Há muitos anos que não conduzia um 911 S 2.4 “normal”, o nível de performance é surpreendente e o prazer, o prazer…
A alta velocidade, claro que se sente a frente a balançar um pouco e a direcção dá-me toda a informação de que necessito, mas é tão leve…Ficou-me a faltar um trajecto longo em auto-estrada para tirar conclusões mais fundamentadas. Em curvas lentas, sente-se a frente a fugir um pouco, o segredo está em antecipar um pouco a entrada com um golpe de volante mais seco e com os travões e depois acelerar francamente, muito mais cedo que com um outro tracção traseira, para aproveitar a motricidade que o motor colocado bem lá atrás permite. Com estes carros não há “meio da curva”. Aponta-se a frente e depois do ponto de corda é só acelerar. Com calma, claro, pois os 190 cavalos a alta rotação são suficientemente bruscos para uma atravessadela…que facilmente se corrige!
Para os dias de hoje, os travões são estranhos. Exigem força, pois não têm servo-freio, há tendência a bloquear as rodas da frente e as distâncias de travagem são mais longas que com um carro moderno. Mas…já conduziram um carro performante de 1972? Normalmente não tem travões, tem um sistema de abrandamento…

Em conclusão, o MS foi uma grande surpresa positiva. Fácil, fácil de conduzir, andando devagar é suavíssimo e pode ser plenamente desfrutado por um qualquer apreciador de um bom automóvel, dando gás, estamos em Le Mans, na Lagoa Azul, ou no Turini.






Paro em frente ao DL, e entramos. Passa o Zé para o volante. Um dia destes, ele dá-vos as impressões dele.

Para mim, volto ao meu velho companheiro, cansado, cheio de cicatrizes. As folgas, seja onde for são muito maiores, sobretudo na caixa e na direcção. O motor não aceita bem baixos regimes, exceptuando em 5ª, está sempre a pedir a mudança seguinte. O ronco é mais metálico e mais encorpado, a média rotação é muito semelhante à versão standard, mas na parte final do conta rotações é mais poderoso e agressivo. A grande diferença está nas trocas de caixa, o motor perde menos rotação e tem mais freio motor, a engrenagem da nova relação é muito mais rápida. Os “culpados” são o volante motor de competição e os rapports de caixa muito próximos. Uma das consequências é o uivo da transmissão em 2ª, 3ª e 4ª…estes conjuntos de carretos estavam numa prateleira especial na Aurora…
A sensação de carro de corrida é total. Tão agressivo só um certo 996 GT3 que todos conhecemos.

A suspensão é muito mais dura, o autoblocante permite muito mais motricidade à saída de uma rotunda ou de um gancho. A frente é mais incisiva e permite entrar nas curvas com um pouco mais de confiança.
A alta velocidade há mais estabilidade, isto é, as sensações são semelhantes às vividas no MS, mas com uma velocidade superior em 20 kms hora. A 120, por exemplo, o DL comporta-se como o MS a 100.
As pinças turbo à frente e as pastilhas racing depois de quentes permitem travar mais forte e em menos espaço. Contudo, e agravado pelo facto de a suspensão estar muito dura, a tendência a bloquear as rodas da frente é bem mais acentuada.

Em conclusão, para quem quiser um carro com as sensações de um carro de competição, para umas estradas de montanha feitas a um ritmo forte e para um ocasional trackday, o DL faz valer as suas modificações. Contudo, é impossível andar com ele no dia a dia. O consumo é uma loucura, as suspensões são duríssimas, andar em paralelo é um tormento. O ruído da caixa é incomodativo, o ralenti irregular obriga quase sempre a acelerar quando se está parado num semáforo ou numa fila de trânsito.

A versão standard, da qual o MS é um exemplo superior, é muito mais equilibrada. Permite andar no dia a dia e uma aceleradela mais forte sempre que necessário. Tirando os travões é surpreendentemente actual. Se eu pudesse e vivesse fora de uma grande cidade, andava com uma maravilha destas todos os dias, excepto quando chovesse, nessas circunstâncias o ABS é imprescindível.

Por outro lado, para uma descarga de adrenalina, para emoções ao rubro...um carro preparado, como o DL, tem vantagens evidentes. Aí, agradeço ao Mestre Eduardo toda a força que sempre me deu para ter o DL “muito racing”. É uma homenagem aos 911 de corrida, que se pode usar quase correntemente. Seria um crime, tirar a este carro tudo o que o torna único e histórico. O DL não merecia ser um “vulgar” carro de estrada. Merece estar como está hoje, perpetuando uma longa carreira de muitas horas na estrada, sempre atravessado em com o boxer a gritar, sempre bem alto.

A conclusão é óbvia, em 1972, um 911 S 2.4 faz as duas coisas com ligeiras modificações. Hoje, há Carrera, Carrera S, GT3 e GT3 RS!

O meu mais sincero agradecimento ao grande Porschista José Aguiar.

Grande pinta!
Estou às 4000 rpm a imaginar uma estrada cheia de curvas e sempre a dar á roda.
Era o que o Salvi fazia há 35 anos.Como parece actual.
Fico candidato a dar uma volta....... mesmo ao lado.
MRS

Caro MRS, está convidadíssimo a dar uma volta, ao volante. O red-line é às 7300 rpm.
E se conseguisse ter como convidado especial o proprietário de há 36 anos...a festa seria total!

Penso que, como "aperitivo", o MS do nosso Zé será mais que suficiente para aquecer as almas!!!Que carro delicioso!!!!E que bom condutor!!!

Eu ainda não fiz a reportagem sobre uma coisa estratosférica cuja matrícula acaba em OI...

Luís, que posso eu acrescentar????

Dizes tudo....tão iguais e tão diferentes....!!!!!!!

É impressionante as potencialidades que se pode tirar de um veículo standard, com "pequenos" mas determinantes ajustes.....

Sem invençoes, truques, pois está lá tudo....é um S e pronto.

De facto ao volante do DL, sentimo-nos os donos do asfalto....e num circuito nao sei nao....alguns Porsches mais modernos iriam passar vergonha...

Abdicando de quase tudo a favor do comportamento dinamico desportivo, para nao dizer de corrida....consegue-se um resultado no minimo incrivel.

Para um vulgar condutor (como eu), ao volante tudo se torna mais facil, carro mais reactivo às solicitaçoes, pois no MS é mais dificil corrigir, menos tolerante a erros de tragetorias, travagens, etc.

Os Bilstein, e o autoblocante sao ajudas vitais neste ponto.

Outra surpresa agradável tem a ver com a rapidez de engrenagem das velocidades sem que o motor "caia", talvez o volante do motor tenha aí uma palavra a dizer...

Conclusao:

Comecei o texto por dizer tao iguais e tao diferentes, pois se o MS é digno de um passeio turistico à beira mar numa manha de Domingo....já o DL é nos "circuitos" que mostrará a sua genese....o motivo pelo qual a Porsche é a PORSCHE


O meu obrigado ao Luís pela disponibilidade de vir a Fafe, mas penso que foi "recompensada" essa viagem.....heheheheh

Muito obrigado aos dois, pelas vossas impressões.

Obrigado pelo Excelente Post

Pena Fafe ficar longe de Lisboa....

Parabéns pela "reportagem".
Está excelente.
Pena não me ter podido juntar a voçês. Fica para a próxima.

Obrigado aos dois

Caros amigos,
Obrigado pelos vossos comentários.

Para o Zé:
Antes de mais, acho que conduzes bem acima da média.
Depois, o teu MS é bem mais desportivo que pensas...e merece umas estradinhas de montanha, cheias de curvas, como há muitas para os teus lados...
Todavia, eu compreendo-te. Comparar o MS com as reacções da bomba vermelha....Nessa é que eu gostava de andar em pista...aquele chassis é indescritível!!!!

Bomba vermelha?

Merece uma apresentação.

Aqui só conheciamos a bomba verde,mas se há uma vermelha não pode passar despercebida.

MRS

Que post excelente!!

Sinto-me um felizardo só por me darem a oportunidade de conhecer as vossa experiências. Penso que para qualquer fã de Porsches, ou de clássicos em geral, esta literatura é um tesourinho que se guarda na nossa memória (ou na do computador) para mais tarde recordar, em qualquer conversa, ou quando nos sentamos ao volante das nossas máquinas, e cerebralmente relembramos este teste tentando imaginar as diferenças.

Sem dúvida um momento de felicidade para mim. Obrigado

MRS escreveu:Bomba vermelha?

Merece uma apresentação.

Aqui só conheciamos a bomba verde,mas se há uma vermelha não pode passar despercebida.

MRS

Fiquei com água na boca...

Hhhmmm... Mistério

Tenho andado com o 2.4S nestes ultimos dias, no Domingo voltei a abastecer o deposito. Nao o fazia desde 2007. Fui para Vila do Conde a pretexto de um passeio de clássicos...Saio de casa em direcção a Guimaraes pela nacional a um ritmo moderado pois o carro estava frio. Já com 15kms feitos, entro na auto-estrada em direcçao a Vila do Conde. Já nao me lembrava do que o 2.4S era capaz...., 200 kms/hora às 6000 rpm, sentia que rolava a velocidade cruzeiro, tal era ainda a disponibilidade do motor para fazer mais rotaçoes. Nao tive coragem para ir mais além. Portou-se lindamente...hoje de manha deixei-o na Garagem Aurora. Rever todos os niveis, e pequenas intervençoes...já previstas.

É incrivel um veiculo com 36 anos..., mais "antigo" que eu....deixa-nos a pensar....é que se compararmos com o ultimo modelo refrigerado a ar (993) provavelmente iremos ficar surpreendidos com as semelhanças...e compreendemos o carro que está por detrás do mito.

Igual a si mesmo, fruto de decadas de conhecimentos e desenvolvimento sem nunca ter perdido a identidade.

Eis o Porsche 911...o desportivo do século XX

Por muio que eu tente explicar isto aos que rodeiam, pais, mulher, etc...eles nao entendem, dizem que nao passa de um carro, mas vocês sabem bem do que estou a falar...e é tão bom ter alguém que nos entenda......

Reportagem simplesmente genial!!!

Por vezes pensamos como é possivel à tantos anos atrás, produzirem-se tão fabulosas maquinas sem ajuda de elementos computadorizados.

A mestria dos artesãos é indescritivel!!

Aos proprietários das "bombas", so uma coisa a dizer: PARABENS!!!

Excelentes carros, excelentes pilotos, excelente reportagem.
É assim que ficamos a conhecer melhor e a dar valor aos velhinhos.

Quer grandes máquinas, fico de boca aberta.

E a reportagem, e informação é digna de louvor.

Agradeço aos dois a excelente informação e poder contar com maquinas dessas aqui.

Continuem-nos a dar Porsche.

desmo escreveu:Que post excelente!!

Sinto-me um felizardo só por me darem a oportunidade de conhecer as vossa experiências. Penso que para qualquer fã de Porsches, ou de clássicos em geral, esta literatura é um tesourinho que se guarda na nossa memória (ou na do computador) para mais tarde recordar, em qualquer conversa, ou quando nos sentamos ao volante das nossas máquinas, e cerebralmente relembramos este teste tentando imaginar as diferenças.

Sem dúvida um momento de felicidade para mim. Obrigado

MRS escreveu:Bomba vermelha?

Merece uma apresentação.

Aqui só conheciamos a bomba verde,mas se há uma vermelha não pode passar despercebida.

MRS

Fiquei com água na boca...

Hhhmmm... Mistério

Meus caros, a bomba vermelha é o 993 RS do Zé.
Não há palavras. É simplesmente fantástico.
Um dia destes, faço uma pequena reportagem!

911 S 2.4 escreveu:
Meus caros, a bomba vermelha é o 993 RS do Zé.
Não há palavras. É simplesmente fantástico.
Um dia destes, faço uma pequena reportagem!

Agora sim. Estou mesmo curioso por lêr outra reportagem do calibre que nos habituaram.

Por acaso esse 993 RS vermelho terá sido comprado recentemente, no Algarve ou Alentejo, a um antigo piloto de ralis e TT?

desmo escreveu:


Por acaso esse 993 RS vermelho terá sido comprado recentemente, no Algarve ou Alentejo, a um antigo piloto de ralis e TT?

Bingo

Há uns meses tinha colocado aqui umas fotos deste carro,

Neste tópico:
https://porschefans.forumotion.com/fotos-porsche-f46/avistamentos-porsche-t406-45.htm

É um excelente exemplar, e muito raro!

Parabens pela reportagem.
Descrição das viaturas simplesmente excelente.
Fiquei com uma imagem quase real das sensações e do comportamento dos dois 911.
Ofereço-me para um teste semelhante com um 911 SC de 1979.
Porque não um "Desafio - teste 911 3.0" lá para Setembro ou Outubro ?

Jorge Dinis escreveu:Parabens pela reportagem.
Descrição das viaturas simplesmente excelente.
Fiquei com uma imagem quase real das sensações e do comportamento dos dois 911.
Ofereço-me para um teste semelhante com um 911 SC de 1979.
Porque não um "Desafio - teste 911 3.0" lá para Setembro ou Outubro ?

Se for o Luís a testar e depois escrever será excelente sem dúvida. Sem desprimor para outros "foristas"

Meus Amigos,

Vou-vos confessar uma coisa. Há muito tempo que queria começar a fazer pequenas reportagens sobre automóveis. E...do nada surgiu esta oportunidade.

Fico muito agradecido pelos comentários elogiosos que fizeram à minha / nossa reportagem, que, diga-se a verdade, é feita com a colaboração extraordinária do Zé Aguiar. Sem ele, nada seria possível.

Com a vossa anuência, manifesto a minha vontade e disponibilidade para começar a fazer reportagens sobre modelos da Porsche. A minha ideia é com uma periodicidade mensal, publicar uma reportagem sobre um carro que alguém me deixaria experimentar (prometo que não faço loucuras, nem ando no limite), dando o seu enquadramento histórico, as minhas impressões de condução e com as respectivas fotos.

Aguardo os vossos comentários. Se concaordarem, a próxima será sobre a Bomba Vermelha, o 993 RS do Zé.

Se a intenção do Jorge Dinis é permitir-me um ensaio do SC dele, agradeço muitíssimo. Mas para que não venham dizer que eu só gosto de air-cooleds, eu sugeria ao Jorge que falasse com o Special One, a ver se ele me deixa dar uma voltinha no 996 Cabrio.

Um abraço a todos e bem hajam!

Já mandei uma Mensagem Pessoal ao Special One e a responta foi: "... para o 911 S 2.4 a chave já está disponível e o depósito cheio. É só marcar o dia.".
Face a isto, eu não hesitava.