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ISTO NÃO É UM GANGUE É UMA FAMÍLIA'

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Mensagem por JJ 9/2/2008, 10:19

Depois de ler isto achei por bem partilhar convosco. Merece reflexão.

ISTO NÃO É UM GANGUE É UMA FAMÍLIA'


Os dois rivais encaram-se por uma questão de honra. Um deles roubou a namorada e o chapéu do outro. Perante o virar de costas desinteressado do inimigo, o forasteiro despeitado saca da arma e abate-o pelas costas. A história poderia ser tirada de um western de Hollywood, mas passou-se na Estação de Rio de Mouro, em Sintra, no dia 27 de Janeiro. Osvaldo Beagi (conhecido por Vando), 19 anos, da Rinchoa, morreu no ajuste de contas. E também Francisco Silva, de 18 anos, do Cacém, este, apanhado no fogo cruzado.

E logo se criou a ideia de se poder estar a viver uma guerra de gangues na linha de Sintra. Apesar da confessa rivalidade entre bairros, os jovens da Rinchoa e do Cacém- a que se podem juntar, já agora, os de Mem Martins, Serra das Minas ou de qualquer outro grande aglomerado suburbano da região de Lisboa - têm mais em comum do que aparentam nestas situações.

Edgar, o suspeito do duplo homicídio, é filho de cabo-verdianos imigrantes, tinha deixado a escola e vivia de biscates. Tal como Osvaldo. Descendente de angolanos, de vez em quando distribuía publicidade, nos tempos livres - muitos - andava por aí com os amigos da Rinchoa, outros filhos de outros imigrantes de paragens diferentes mas com a mesma cor de pele. A mesma, negra, de Francisco, cuja história repete a de todos os outros: desistiu da escola, já não tinha de estudar mas também não arranjava trabalho.

Percursos destinados ao vazio. Ou à tragédia, como a que aconteceu há duas semanas. Os colegas de rua de Edgar e Francisco, no Cacém, não alteraram os seus hábitos. Às duas da tarde, ou às dez da noite, param no Parque, na Av. dos Bons Amigos, ou na Estação. Não trabalham e já não estudam. E as histórias que contam sobre as suas vidas são de rixas, fugas à polícia, de roubos improvisados na hora, de noites passadas nas esquadras.

A tentativa de assalto a uma farmácia na zona das Amoreiras, em Lisboa, foi o suficiente para Johnny passar os dois anos seguintes enfiado no Centro Educativo Navarro Paiva, em Benfica. Estava com um grupo de amigos, cada um fugiu para o seu lado, mas o miúdo de 16 anos, que vive no Cacém ficou para trás. "Tentei saltar por cima do contentor de lixo, mas estatelei-me no chão e a bófia caçou-me."

Johnny só teve medo na primeira noite que passou na "casa de correcção", mas ninguém percebeu. Abafou o choro na almofada e, na manhã seguinte, acordou capaz de aguentar tudo: "Levei cacetada a torto e a direito dos mais velhos porque não fazia o que eles mandavam." Foi uma questão de semanas até sucumbir à lei do mais forte. Fazia a cama deles, esfregava o chão do refeitório pela vez dos outros e até "limpava a merda" que eles deixavam "de propósito" espalhada pela casa de banho.

No Inverno de 2005, Johnny saiu do centro de Benfica e a primeira coisa que fez foi reencontrar os companheiros do Cacém. "Fizeram-me uma festa com vodka, cerveja, charros e tudo", recorda, abrindo um sorriso desdentado. Filho de imigrantes moçambicanos, Johnny nasceu na Pontinha e acompanhou a mãe e a avó para uma casa nova no Cacém - o pai morreu, quando ele ainda era bebé. Chegou com 13 anos ao bairro. O enfezadinho a que antes ninguém passava cartão, tinha agora o respeito dos amigos.

Do outro lado do grupo vem a história de Espinha, 19 anos. Foi apanhado quando estava a dormir em casa. "A bófia entrou no meu cubicu . torceu-me o pulso e algemou- -me." Quatro polícias reviraram-lhe as gavetas do quarto, os armários da cozinha e as prateleiras da sala até encontrarem a cocaína dentro dos ténis velhos que escondia na marquise. Tinha acabado de fazer 17 anos e, por isso, o juiz não o perdoou: no Estabelecimento Prisional de Caxias Sul cumpriu oito dos doze meses de pena.

Poucas horas depois de entrar na prisão de Caxias, um velho amigo, Pezoa, fez um sinal com a mão para Espinha se sentar ao lado dele no refeitório: "Se ficares no meu círculo, tás seguro", sussurrou--lhe. E Espinha não descolou dele até ganhar confiança com os outros reclusos: "Fiz bué de brothers na prisa e fui tão atinadinho que me deixaram sair 141 dias mais cedo."

No Cacém de Baixo ou de Cima, quase todos sabem que é com o ex-presidiário que mais facilmente se enturmam com os outros miúdos do bairro. Passo gingão, cicatriz riscada na cara, tatuagem desenhada na mão e piercings presos ao sobrolho não enganam ninguém: é Espinha que dita as regras. Nércio percebeu isso no primeiro dia em que se mudou de Chelas para o Cacém, no Verão de 2005: "No princípio ficava quase todo o dia fechado em casa porque não conhecia ninguém." Filho de cabo-verdianos, Nércio estranhou o novo bairro: na zona J sentia-se em casa.

Um miúdo sem amigos no Cacém não tem para onde ir nem onde ficar. É uma queixa habitual entre os que fazem da rua a sua casa. Com o tempo, Nércio acabou por conhecer um "sócio no parque", que por sua vez o apresentou a Johnny. A partir daí foi um passo até chegar ao Espinha. E tudo passou a ser mais fácil: "Ser um craque da bola também ajudou", acrescenta.

Na Rinchoa, o futebol também costuma ser um escape. Lata de sumo a fazer de bola, Ivan desce a rua a fazer fintas no ar. O rodar das pernas sobre a bola artificial, malabarismo a imitar Ronaldinho Gaúcho, só é interrompido por pequenos chutos na lata, que avança aos repelões pelo passeio. Até parar junto a um grupo de oito jovens, que cumprimenta de forma efusiva o craque da bola. "Esta malta que aqui está é só grandes jogadores", conta Ivan, que parece mais orgulhoso das capacidades dos amigos do que das suas próprias. Talvez a humildade lhe venha de ter visto um dos seus amigos de infância, rumar a Inglaterra para jogar no Bolton: Ricardo Vaz Tê.

Ivan já perdeu a esperança de chegar onde o amigo chegou. "Aos 21 anos, ainda podia dar muitas alegrias a Portugal, se não me tivessem cortado as pernas. No Verão passado estive quase a ir para o Mérida, de Espanha, mas não ficaram comigo por ter nascido na Guiné Bissau e ainda ser considerado estrangeiro. Agora, só espero que dêem oportunidades aos miúdos de 15 e 16 anos que moram aqui e jogam que se fartam".

A rua de Ivan é a mesma da Rinchoa onde morava Vando Beagi, o jovem assassinado. Depois de ter deixado de estudar no 10.º ano, para tentar a sorte no mundo do futebol, a solução de Ivan, passa agora por trabalhar num pequeno negócio de construção civil do pai. A mãe morreu há quatro anos, com problemas do coração. Sem papéis nem nacionalidade, Ivan está sempre a forçar a tecla da desintegração e do racismo. Diz que não lhe dão trabalho "por ser preto".

E é por isso também que mais lhe custa a imagem de "gangue" que se colou aos jovens negros da Rinchoa depois da rixa mortal do amigo Vando, um dos seus "irmãos" mais chegados. "Ele parava sempre em minha casa a jogar Pró Evoltution Soccer (jogo de consola), o que a malta mais gosta de fazer por aqui. Ainda tenho a última mensagem que mandou". No telemóvel, Vando informa que "está atrasado, a fazer umas cenas", atraso que nunca emendará. No quarto de Ivan, um pequeno rectângulo forrado com posters de jogadores de futebol que mal deixam ver o azul das paredes, fotografias num placard e no fundo do computador não deixam esquecer a perda do "melhor amigo".

Rio, também ele filho de guineenses, barba rala impecavelmente aparada, é nitidamente o orador do grupo que se reúne na Rinchoa. É o único que foi à faculdade, onde tirou instalação de redes. "E para quê?", interroga-se desanimado. "Hoje, aos 22 anos, sou técnico de helpdesk, porque ninguém me dá trabalho na minha área." Diz que manda currículos, por vezes até o convocam para entrevistas. Mas, depois acaba sempre mal. Rio tem uma explicação: "Quando vêem que sou negro, arranjam uma desculpa qualquer, como que tenho um currículo demasiado vasto, e rejeitam-me. Ora, se eu não interessasse não me chegavam sequer a telefonar".

Rio, diz, leva uma vida normal, apesar dos 600 euros que ganha por mês, a que se junta outro tanto ganho pelo pai enquanto funcionário da TAP e que ainda tem de chegar para mais dois irmãos. No final, sobra pouca coisa. "Trabalho das nove às cinco, nos arredores de Lisboa, venho para casa, ouço um bocado de música, mais kizomba e hip-hop, vejo televisão, principalmente desporto e reportagens, e estou com a minha família. Depois de jantar estou um bocado com os meus amigos, conversamos ou bebemos um copo, e de vez em quando vamos até ao Colombo comer um hambúrguer, ver um filme ou comprar roupa… quando o dinheiro o permite".

E nega tudo o que foi notícia nos últimos tempos - o grupo organizado, as lutas de bandos opostos, a criminalidade. "Acham mesmo que há gangues em Portugal?! Isso é nos Estados Unidos. Aqui só há um grupo de amigos unido, que cresceu junto e que se limita a continuar a andar junto".

Estes jovens definem-se como " irmãos" da rua, que é onde se partilham experiências e estabelece uma socialização fundada nas fidelidades. Um dos únicos lugares onde se sentem fortes e amados. Como se nota pela forma emocionada como falam de si próprios.

Os amigos são o único recurso que estes jovens dos subúrbios de Lisboa usam para se sentirem protegidos dentro e fora do bairro. Nélson, 16 anos, sentiu isso na pele. Da última vez que foi sozinho do Cacém à Serra das Minas, voltou com a cara mais inchada do que um repolho: "Atiraram--me ao chão e deram-me pontapés na cabeça e nas costas, em todo o lado." Tudo por causa de um telemóvel que "nem sequer tinha câmara fotográfica".

O itinerário das zonas seguras é também sempre o mesmo. De cada vez que os miúdos do Cacém querem sair do seu bairro, apanham o comboio e vão até à Cova da Moura, Reboleira (Amadora), Tapada das Mercês (Sintra) ou o Centro Comercial Colombo, em Lisboa. E, mesmo nessas zonas, há territórios que permanecem interditos: "Só entramos nas áreas onde está malta que a gente conhece."

O mais "tranquilo", no entanto, é ficar perto de casa: no Parque Urbano do Cacém, na estação de comboios, na Avenida Bons Amigos, à entrada do Pingo Doce depende de quem chegar primeiro a um destes lugares. "Tou no parque", é o sms que Nuno envia a Igor às 10 da noite em ponto. E senta-se no banco a esfarelar uma "broca" que vai dividir com os amigos, assim que eles chegarem.

O baralho de cartas, a cerveja e o rap que sai de um hi-fi portátil vão entretê-los pela madrugada. Ou, então, até a polícia estragar a festa. "A bófia aparece e manda-nos bazar, mesmo que a gente não esteja a fazer nada de mal", desabafa Nelson. Mesmo que seja de dia, à tarde ou à noite: "Não nos deixam ficar quietos."

O dinheiro nem sempre chega para os pequenos vícios mas, em contrapartida, o tempo livre resta. A maioria desistiu de estudar. "Os profs estavam sempre a expulsar-me da aula", diz Igor, 16 anos, do Cacém. Até ao dia em que se "chateou mesmo a sério" e deixou de aparecer na escola.

Juntou-se ao resto do grupo e agora vai "sacando" uns trocos "nuns negócios" que tem "aqui e ali". Os "negócios", porém, são um segredo que todos eles guardam entre si. "São uns esquemas que a gente tem de arranjar para orientar a nossa vida, já que ninguém nos dá emprego", interrompe Espinha, que quer rematar a conversa por aí.

O certo é que os "trocos" vão dando para pôr algum lá em casa e assim "calar os kotas" que estão sempre a "moer-lhes o juízo". E ainda sobra para os ténis Reebock, o blusão da Puma ou o boné da Nike, a farda que todos eles exibem para mostrar que cresceram na rua e é na rua que querem continuar.

Há ainda os casos dos que querendo sair da rua, não conseguem. Brincos com a bandeira jamaicana cravados nas orelhas, Hélder, guineense de 21 anos da Rinchoa, anda às voltas com os papéis de naturalidade portuguesa. E o facto de a sua fotografia ter aparecido num jornal associada a um título sobre os gangues da linha de Sintra só piorou a situação. "Perguntei ao meu advogado se podia processar esse jornal, mas ele avisou-me que isso podia interferir com o meu processo, portanto meteram-me numa situação em que não posso fazer nada. Tenho medo que as pessoas me reconheçam dessa foto e pensem que eu sou um marginal".

Jota, 22 anos, operador de telemarketing, não foi fotografado, mas concorda em absoluto com o amigo. "Não se pode vir e tratar um grupo de amigos como se fossem marginais. Isto é só porque somos negros, porque se for um grupo de brancos já é tudo normal. Se um preto está desempregado tem queda para a marginalidade, se um branco está desempregado é um coitado. Não podem catalogar assim as pessoas".

João, branco, de 20 anos, chega de moto. A trabalhar na empresa de instalação de ar condicionado do padrasto, vive numa vivenda de Rio de Mouro e tem um salário mais chorudo que os amigos. Mas a conversa é igual. A sua vida divide-se em capítulos, segundo o grupo com o qual andou: "Parava mais com o pessoal de Mem Martins e cheguei a andar à porrada com o pessoal de Rio de Mouro, mas coisa saudável, sem armas, só pela rivalidade de bairros." O regresso à Rinchoa, que fica na parte de cima de Rio de Mouro, foi feita através de um amigo, o Rio. "Se precisar de alguma coisa ou estiver mal, sei que conto com eles". Todos afirmam num misto de emoção e lamento que "isto não é um gangue, é uma família".

Fonte DN

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Mensagem por Convidad 9/2/2008, 12:26

Se isto chega ao Brasil, faem uma novela!

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